quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

A necessidade indispensável da massa camponesa na Revolução

Manifestação camponesa em prol da Reforma Agrária em Cuba
É comum escutarmos que o caráter da Revolução Cubana é Socialista e Anti-imperialista. Anti-imperialista devido à sua luta contra a dominação estrangeira, socialista por buscar as condições para a construção de uma sociedade na qual não existam mais as classes sociais. Isso é verdadeiro, mas não é suficiente.

Nessa análise faz falta a referência a um elemento também central no caráter da Revolução Cubana: a luta contra as formas pré-capitalistas de exploração, que atravancavam o desenvolvimento nacional quando da tomada do poder. Faz falta a menção à luta do campesinato contra o latifúndio, a luta pela reforma agrária.

Apesar do fato de Cuba contar com empreendimentos capitalistas que foram se fortalecendo desde o início do século XX, não era esse o cenário de um capitalismo industrial desenvolvido.  Longe disso: 59%% dos assalariados estavam no campo(1a); 1,5% dos proprietários de terras controlavam a metade das terras do país; e dos cerca de 2,6 milhões de hectares que as empresas açucareiras possuíam, as melhores terras, nos pontos mais altos da produção, somente metade chegava a ser cultivada.(1b)

Em seu programa de 1957, o Partido Socialista Popular(2) afirmava que Cuba era um país de "estrutura semi-colonial e conformado por restos feudais", o que exigia distinguir "o que é imediato e o que se há de alcançar depois", traduzido em um programa "para a etapa atual da Revolução, não o programa socialista de desenvolvimento futuro, mas o programa democrático, nacional libertador e agrário de desenvolvimento atual", "até conseguir a plena independência nacional, e a total libertação de nossa Pátria da opressão e exploração imperialista estrangeira e de todo o resto feudal e, posteriormente, conduzir Cuba até o socialismo".(3)

A compreensão de que a luta pelo socialismo está vinculada também à luta contra as formas atrasadas no campo não é nada nova aos marxistas. Lênin em seu prefácio de 1918 ao folheto "Karl Marx" lembrava aos mencheviques a frase do fundador do socialismo científico. Marx já em 1856 afirmava: "Na Alemanha tudo dependerá da possibilidade de respaldar a revolução proletária com alguma segunda edição da guerra camponesa. Então, tudo dará certo."(4)

Evidente que Alemanha tratada por Marx, a Rússia de Lênin e a Cuba de 1959 são distintas. Ainda assim, há nessas observações algo de universal: não havendo um proletário desenvolvido suficientemente e atraso na estrutura agrária, há a necessidade indispensável do envolvimento da massa camponesa na Revolução.

Em Cuba, a solução do problema da terra pela reforma agrária e aniquilação do latifúndio atrasado foram os fatores que mobilizaram as massas camponesas, como menciona Guevara, tratando também da indissociabilidade da luta contra os resquícios feudais e a luta anti-imperialista:

    "Com a Reforma Agrária como bandeira, cuja execução começa na Serra Maestra, chegam esses homens [os revolucionários] a enfrentar o imperialismo, sabem que a Reforma Agrária é a base sobre a qual vai se edificar a nova Cuba; sabem também que a Reforma Agrária dará terra a todos os despossuídos mas despossuirá aos injustos possuidores; e sabem que os maiores dos injustos possuidores são também influentes homens no Departamento de Estado ou no Governo dos Estados Unidos da América."(5)
 
Sobre a possibilidade de desenvolvimento aberta pela Reforma Agrária, na ocasião da aprovação dos decretos revolucionários sobre o tema,  afirmava Fidel:

    "Refiro-me a 200 mil famílias que irão adquirir terras, sem contar as 150 mil que as possuíam na qualidade de parceiros, arrendatários ou precaristas, colonos e, enfim, as distintas formas de possessão que não implicavam a propriedade da terra[...] Posso dizer de maneira concreta que quando a reforma agrária tenha sido realizada, um número aproximado de 2 milhões de pessoas aumentarão consideravelmente seus ingressos e constituirão uma contribuição ao mercado doméstico, que servirá ao desenvolvimento industrial..."(6)

Deve-se lembrar que assim como o Programa do assalto ao Quartel Moncada, a Reforma Agrária também é uma transformação de tipo democrático, a mais importante delas. Pelos cubanos é chamada de Programa mínimo da Revolução, realizado e superado com o decorrer dos primeiros anos após a queda de Batista, mas sem a qual seria impossível falar em socialismo e anti-imperialismo em Cuba.


______
Notas:

(1a) - María de los A. Arias Guevara, “Cuba: reforma y transformación agraria. La crisis de los noventa y el proceso de desestatalización de la agricultura” (Cuba: reforma e transformação agrária. A crise dos noventa e o processo de desestatização da agricultura), Revista IDeAS: Interfaces em desenvolvimento agricultura e sociedade, p. 6

(1b) - Jimenez, Núñes Antônio. "En Marcha con Fidel - 1959".Editorial Letras Cubanas, Havana, 1982. pp. 143-147.

(2) - O Partido Socialista Popular era o Partido no qual se agrupavam os comunistas vinculados ao campo socialista antes da fusão das organizações revolucionárias que daria origem ao Partido Comunista de Cuba.

(3) - Citado em "El Partido Marxista-Leninista, Algunas cuestiones de la economia socialista", Departamento de Educación Interna del Comité Central del Partido Comunista de Cuba, 1973. Tradução nossa.

(4) - "Lênin Obras Escogidas", Vol.I, Editorial Progresso, Moscú, 1970. p. 23.

(5) - Guevara, Ernesto Che."Notas para o estudo da ideologia da Revolução Cubana".(link)

(6) - DISCURSO PRONUNCIADO POR EL COMANDANTE FIDEL CASTRO RUZ, PRIMER MINISTRO DEL GOBIERNO REVOLUCIONARIO, EN LA PLATA, SIERRA MAESTRA, EL 17 DE MAYO DE 1959.

Nenhum comentário:

Postar um comentário