O seguinte texto é a segunda e última parte da tradução do "Notas para o estudo da ideologia da Revolução Cubana" de Guevara. Caso não tenha lido a Parte I, clique aqui.
"[...]Prossegue logo uma etapa nômade, na qual o Exército Rebelde vai conquistando zonas de influência. Não podia, entretanto, permanecer muito tempo nelas pelo perigo inimigo, tampouco consegue fazer isso, apenas pode pensar. Em diversos combates se estabelece uma espécie de frente não bem delimitada entre as duas partes.
Em 28 de maio de 1957, se estabelece um marco ao atacar, em Uvero, a uma guarnição bem armada, muito bem atrincheirada e com possibilidades de receber esforços rapidamente; ao lado do mar e com aeroporto. A vitória das forças rebeldes nesse combate, um dos mais sangrentos que se realizaram, pois 30% das forças que entraram no combate saíram mortas ou feridas, fez mudar totalmente o panorama. Já havia um território onde o Exército Rebelde travava combates em campo aberto, onde o inimigo não recebia notícias desse exército, e onde podia em rápidos golpes descer às planícies e atacar postos do adversário.
Pouco depois se produz já a primeira divisão e estabelecimento de duas colunas combatentes. A segunda leva, por razões de mascaramento bastante infantis, o nome de 4ª coluna. Imediatamente as duas dão mostras de atividades, e, em 26 de Júlho, se ataca a Estrada de Palma, e cinco dias depois, Bueycito, localizado a trinta quilômetros desse lugar. Agora as manifestações de força são mais impactantes, são esperados com pé firmes os repressores, que são detidos em várias tentativas de subir a Serra. São estabelecidas frentes de luta com amplas zonas de terra de ninguém, vulneráveis por incursões punitivas dos dois bandos, mas mantendo aproximadamente as mesmas frentes.
Sem dúvida, a guerrilha engrossa suas forças com substancial aporte dos camponeses dessa zona e com alguns membros do Movimento nas cidades, tornando-se mais combativa, aumentando seu espírito de luta. Partem, em fevereiro de 1958, depois de suportar algumas ofensivas que são rechaçadas, as colunas de Almeida, a 3, a ocupar seu lugar perto de Santiago e a de Raúl Castro, que recebe o número 6 e o nome de nosso herói Frank País, morto poucos meses antes. Raúl realiza a façanha de cruzar a Estrada Central nos primeiro dias de março desse ano, penetrando nas montanhas de Mayarí e criando a Segunda Frente Oriental Frank País.
Os êxitos crescentes de nossas forças rebeldes iam se infiltrando em meio a censura e o povo ia rapidamente alcançando o clímax de sua atividade revolucionária. Foi nesse momento em que se defendeu, desde Havana, a luta em todo o território nacional mediante uma greve geral revolucionária que deveria destrui a força do inimigo atacando simultâneamente em todos os pontos.
A função do Exército Rebelde sería, nesse caso, a de um catalizador ou, talvez, a de uma "espinha irritativa" para desencadear o movimento. Nesses dias, nossas guerrílhas aumentaram sua atividade, e começou a surgir sua lenda heróica: Camilo Cienfuegos, que lutava pela primeira vez nas montanhas orientais, com um sentido organizativo e respondendo a uma direção central.
A greve revolucionária, sem dúvida, não estava planejada adequadamente, pois desconhecia a importância da unidade dos trabalhadores e não buscou que os trabalhadores, no exercício de sua atividade revolucionária, escolhessem o momento correto. Se pretendeu executar uma ação rápida clandestina, chamando a greve por uma rádio, ignorando que o segredo do dia e da hora era conhecido pelos agentes da infiltrados, mas não pelo povo. O movimento grevista fracassou, sendo assassinados sem misericórdia um bom e seleto número de patriotas revolucionários.
Como dado curioso, que deve ser anotado alguma vez na História dessa Revolução, Jules Dubois, o correspondente dos monopólios norteamericanos, conhecia de antemão o dia em que se desencadearia a greve.
Nesse momento se produz uma das mudanças qualitativas mais importantes do desenvolvimento da guerra, ao adquirir-se a certeza de que o triunfo seria conseguido somente pelo aumento das forças guerrilheiras, até derrotar o exército inimigo em batalhas campais.
Aí já se haviam estabelecido amplas relações com o campesinato; o Exército Rebelde já havia ditado seus códigos civís e penais, fazia julgamentos, repartia alimentos e cobrava impostos nas zonas administradas. As zonas aldeãs recebem também a influência do Exército Rebelde, mas se preparam grandes ofensivas tendentes a liquidar de uma vez o foco. Dessa forma, começa em 25 de maio uma ofensiva que, em dois meses de luta, resulta em um saldo de mil baixas para o exército invasor, totalmente desmoralizado, e um aumento de 600 armas de nossa capacidade combatente.
Fica demonstrado que o exército não pode nos derrotar. Definitivamente, não há força em Cuba capaz de dobrar os cumes da Serra Maestra e de todas as montanhas da Segunda Frente Oriental Frank Pais. Os caminhos se tornam intransitáveis no Oriente para as tropas da tirania. Derrotada a defensiva, se encarrega a Camilo Cienfuegos, com a coluna número 2; e o autor dessas linhas, com a coluna número 8. Ciro Redondo, cruza a província de Camaguey, estabelece-se em Las Villas e corta as comunicações do inimigo. Camilo deveria logo seguir seu avanço para repetir a façanha do herói cujo nome leva sua coluna, Antonio Maceo: a invasão total do Ocidente pelo Oriente.
A guerra mostra nesse momento uma nova característica: a correlação de forças se volta para a Revolução. Duas pequenas colunas de oitenta e cento e quarenta homens cruzam durante um mês e meio os campos de Camaguey, constantemente cercados ou atacados por um exército que mobiliza milhares de soldados, chegando a Las Villas e iniciam a tarefa de cortar a ilha em dois.
As vezes parece estranho, outras vezes incompreensível, e, em outras, incrível que duas colunas tão pequenas, sem comunicações, sem mobilidade, sem as mais elementares armas modernas, possam enfrentar exércitos bem adestrados e superarmados. O fundamental é a característica de cada grupo. Quanto mais incômodo está, quanto mais acostumado aos rigores da natureza, mais o guerrilheiro se sente em casa, maior seu moral e seu sentido de segurança. Ao mesmo tempo, em qualquer circunstância brinca com sua vida, a tira na sorte como em uma moeda qualquer e, em linhas gerais, do resultado final do combate, pouco importa que o guerrilheiro-indivíduo saia vivo ou não.
O soldado inimigo, no exemplo do cubano que tratamos, é sócio menor do ditador, o homem que recebe a última das migalhas que lhe deixou o penúltimo dos aproveitadores, de uma longa cadeia que começa em Wall Street e termina nele. Seus soldos e benefícios valem alguns sofrimentos e alguns perigos, mas nunca valem sua vida. Se o preço de mantê-los deve ser pago com sua vida, melhor deixá-los, isto é, retirar-se frente ao perigo guerrilheiro. Desses dois conceitos e de essas duas morais surge a diferença que faria a crise de 31 de dezembro de 1958.
Cada vez mais se estabelece claramente a superioridade do Exército Rebelde e, além disso, se demonstra, com a chegada a Las Villas de nossas colunas, a maior popularidade do Movimento 26 de Júlio sobre todos os outros: O Diretório Revolucionário, a Segunda Frente de Las Villas, o Partido Socialista Popular e algumas pequenas guerrilhas da Organização Autêntica. Isso se devia em maior medida à personalidade magnética de seu líder, Fidel Castro, mas também era resultado da maior justeza da linha revolucionária.
Aqui acaba a insurreição, mas os homens que chegam à Havana depois de dois anos de árdua luta nas serras e campos do Oriente, nos campos de Camaguey e nas montanhas, nos campos e cidades de Las Villas, não são ideologicamente os mesmos que chegaram às praias Las Coloradas, ou que se incorporaram no primeiro momento de luta. Sua desconfiança em relação ao camponês se converte em afeto e respeito pelas virtudes do mesmo; seu desconhecimento total da vida nos campos foi se convertendo em um conhecimento absoluto da necessidade de nossos camponeses; seus flertes com a estatística e com a teoria foram anulados pelo férreo cimento que é a prática.
Com a Reforma Agrária como bandeira, cuja execução começa na Serra Maestra, chegam esses homens a enfrentar o imperialismo, sabem que a Reforma Agrária é a base sobre a qual vai se edificar a nova Cuba; sabem também que a Reforma Agrária dará terra a todos os despossúidos mas despossuirá aos injustos possuidores; e sabem que os maiores dos injustos possuidores são também influentes homens no Departamento de Estado
ou no Governo dos Estados Unidos da América. Apesar disso, aprenderam a vencer as dificuldades com valor e audácia e, sobretudo, com o apoio do povo. E viram o futuro de libertação que nos aguardava do outro lado dos sofrimentos. As etapas que vão marcando o desenvolvimento dessa revolução até o momento atual são aplicações táticas de um fim estratégico, efetuada à medida que a prática ia nos ensinando nosso caminho justo.
Para chegar a essa ideia final de nossas metas, se caminhou muito e se transformou bastante. Paralelos às sucessivas mudanças qualitativas ocorridas nas frentes de batalha, ocorrem as mudanças de composição social da nossa guerrilha e também das transformações ideológicas de seus chefes. Porque cada um desses processos, dessas mudanças, constituem efetivamente uma mudança de qualidade na composição, na força, na maturidade revolucionária de nosso exército. O camponês vai fornecendo seu vigor, sua capacidade de sofrimento, seu conhecimento do terreno, seu amor pela terra, sua fome de reforma agrária. O intelectual, de qualquer tipo, põe seu pequeno grão de areia começando a estabelecer um esboço da teoria. O trabalhador dá seu sentido de organização, sua tendência inata de reunião e unificação. Nisso está o exemplo de que as forças rebeldes que já haviam demonstrado ser muito mais do que uma "espinha irritativa" e cuja lição já havia alardeado e levantado as massas até que tivessem perdido o medo do carrasco. Nunca existiu antes, como existe agora, o conceito de interação. Pudemos sentir como essa interação ia amadurecendo, nos ensinando a eficácia da insurreição armada, a força que tem o homem quando, para defender-se de outros homens, tem uma arma nas mãos e uma decisão de triunfo nas pupilas; e os camponeses, mostrando as artimanhas da Serra, a força que é necessária para viver e triunfar nela, e a dose de perseverança, de capacidade de sacrifício que é necessário ter em conta para poder levar adiante o destino de um povo.
Por isso, quando banhados em suor camponês, com um horizonte de montanhas e nuvens, sob o sol ardente da Ilha, entraram em Havana o chefe rebelde e seu cortejo, uma nova "escadaria do jardim de inverno subia a história com os pés do povo"."
Publicado em Verde Olivo em 12 de fevereiro de 1962.
Tradução Fuzil contra Fuzil
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