Disponibilizamos aqui
a segunda parte do artigo publicado no dia 20 de novembro de 2014, tratando do
período de coexistência da URSS com Cuba, em seus distintos aspectos, assim
como das consequências da queda da URSS e do Campo Socialista para Cuba.
A primeira parte do
artigo dava um breve panorama da história da Cuba pré-revolucionária (pré-1959),
enquanto a parte a seguir aborda o período compreendido entre os anos 1959 e
1975, onde Cuba passa a receber o apoio da URSS e do Campo Socialista, passando
por um grande desenvolvimento.
2. A época de coexistência com a URSS
(entre os anos 1959 e 1975)
1959 – 1963
Logo após o triunfo
revolucionário, em 1959, forjado em uma aliança entre os trabalhadores do campo
e das cidades, são implementadas várias medidas populares. Baixam-se os preços
dos produtos básicos e as tarifas dos serviços públicos, o aluguel é reduzido em
50% (6 de março de 1959), são reduzidas as tarifas elétricas (20 de agosto de
1959), e é tomada uma das medidas mais importantes: a Primeira Lei
de Reforma Agrária, implementada pelo Instituto
Nacional de Reforma Agrária (INRA), que estabelece o limite máximo para todas
as propriedades em 30 caballerías (400 hectares).1 Como
resultado da aplicação dessa lei, 67% de toda terra cubana é distribuída entre
o Estado e os camponeses:2 os latifúndios de cana-de-açúcar
tornam-se cooperativas e as terras virgens e usadas anteriormente pelo
latifúndio ganadero (de gado), tornam-se granjas del pueblo,
estatais;3 40% da terra é estatizada, o que é muito significativo em
um país que possui 75% do total de trabalhadores como trabalhadores agrícolas e
em que os proprietários que tem mais que 30 caballerías possuem cerca de
73% de toda terra cultivável cubana, representando apenas 9,4% de todos os
proprietários do país.4
Devemos lembrar o
caráter altamente atrasado de Cuba no período, caracterizada por traços semi-feudais,
de escravidão por dívidas, gigantescos latifúndios, assim como tudo isso foi
mudado radicalmente, com um setor estatal completamente novo.
Os chamados precaristas
compravam os alimentos e as ferramentas com o proprietário da terra e acabavam
ficando endividados. Sem condições de pagar suas dívidas, acabavam presos como escravos
à propriedade. A prática da aparcería era muito comum e consistia em um
proprietário permitir a exploração agrícola de seu terreno em troca de uma
porcentagem da produção.5
Fidel, quando
entrevistado por Gianni Miná, dirá que o período de 1959 a 1960 não era o
momento oportuno para declarar o caráter socialista da revolução, mas de
consolidar uma estrutura de poder das classes trabalhadoras e que naquela
conjuntura já havia sido um grande passo a libertação nacional e patriótica
(etapa democratico-popular da revolução), que posteriormente se desenvolveria enquanto
revolução socialista.6 A declaração formal do caráter socialista só
viria posteriormente, em 1961, mas, com essas medidas democráticas de 1959
e as medidas, já de caráter socialista, do ano seguinte, começam as
represálias internas (sabotagem na produção) e externas (cancelamento de
crédito, congelamento de contas, descapitalização das indústrias), acirrando,
assim, a luta de classes, acelerando o processo revolucionário.7 Em 1960,
não só o imperialismo sofrerá um duro golpe, como também o capitalismo em Cuba:
mais estatizações aconteceriam. 36 engenhos, a rede bancária inteira, 383
empresas, refinarias de petróleo (6 de agosto de 1960), companhias elétricas, entre
outras estruturas, são todas estatizadas. Eis que temos, aproximadamente, o
seguinte saldo: 40% da agricultura, 85% da indústria, 80% do setor de
construção, 92% do transporte e 50% do comércio a varejo, 100% do comércio maiorista
e 100% do setor bancário, passam para as mãos do Estado. Com isso, começa a
ocorrer a superação da principal contradição no capitalismo: a apropriação dos
capitalistas de tudo que é produzido pela sociedade começa a transformar-se em
apropriação da produção por toda a sociedade e as relações de produção se adaptam
correspondentemente ao nível das forças produtivas. Concomitantemente ocorre
uma gigantesca reestruturação administrativa e as outras gigantescas mudanças
feitas em todos os campos da vida cubana: saúde, habitação, escolas, assim como
os mecanismos e métodos de implementação das diretrizes econômicas e o meio de
implementar essas mudanças se modifica rapidamente.8 Nesse processo, extremamente complexo e importante, é
criada, no dia 1 de março de 1960, a JUCEPLAN, a central de planificação da
economia:
“Lei num. 757
TÍTULO I
Da Junta Central de
Planificação
Artigo 1º. – Cria-se a
Junta Central de Planificação do Governo Revolucionário de Cuba encarregada de determinar,
orientar, supervisionar e coordenar a política econômica dos diferentes
organismos do Estado e das entidades autônomas, assim como de sinalizar as normas
gerais orientadoras da ação do setor privado. (...)”
9
Cuba, ao mesmo tempo
que distancia-se dos EUA, como principais consumidores de seu açúcar, começa a
estreitar seus laços com a URSS. Em 1960 começa um acordo que dará sequência a
muitos outros acordos comerciais relativos à venda do açúcar10 e o acordo de fornecimento de
crédito para Cuba, usado para o incremento técnico da produção. É importante
ter em mente que durante toda a relação entre a URSS e Cuba, Cuba sempre gozou
de uma troca comercial muito favorável. Em 1961, começa-se a delinear a
estratégia econômica com a primeira planificação, cujos objetivos são a
substituição de importações e a consolidação de uma maior independência
econômica, uma rápida industrialização. Uma série de medidas estavam em andamento
desde a tomada do poder. Essas medidas diziam respeito à infra-estrutura básica
para a população e, com a construção de habitações, de escolas, de hospitais, a
mão-de-obra desempregada começa a ser absorvida rapidamente pelo crescimento
que acompanhou tudo isso: de 1959 a 1960 o índice de desemprego cai 40%.11
No campo, até então esquecido, foram construídas muitas escolas e hospitais,
assim como deu-se o amparo ao pequeno agricultor com a ANAP (Asociación Nacional de Agricultores Pequeños
de Cuba), que representa as sociedades agropecuárias. Foi também
desenvolvido um projeto de cooperativas, que eram consideradas formas de
organização de propriedade apenas transitórias e que, eventualmente, deveriam
tornar-se estatais mediante estímulos (aposentadoria, melhores condições de
vida, vantagens técnicas, entre outros).
Todas essas ações
representaram um grande aumento no salário real dos trabalhadores, o que
engendrou uma demanda de produtos de primeira ordem muito maior. Mas eis que as
sanções a Cuba são reforçadas pelos EUA em 1961, o que acaba impossibilitando a
importação necessária de bens de capital e forçando um racionamento. A diretriz
de industrialização exigiu importações caras e o cultivo maior de artigos de
primeira necessidade. No campo, onde se buscou uma produção mais diversificada,
além da monocultura da cana, são demolidos mais de 200 mil hectares de
canaviais, o que irá engendrar uma queda na produção de cana de 6,8 milhões
para 3,8 milhões de toneladas de açúcar “cru” de 1961 a 1963, diminuindo a
capacidade de exportação do açúcar.12 A economia cubana, depois de
séculos de colonização, encontrava-se super desenvolvida no setor açucareiro e
atrofiada em todos os outros setores, de tal maneira que uma mudança tão radical
e repentina não era possível. Tal diretriz ofereceu maus resultados com a queda
de 10% nas exportações e 49,5% de aumento das importações,13 sendo
ineficiente a curto prazo devido ao grande atraso econômico do país, levando a
que se optasse por uma via diferenciada, mais ligada a setores primários, como à
agricultura, e às exportações de açúcar (que seria escoado para a URSS e para
os países socialistas), criando assim as bases para então, depois, com mais
recursos, desenvolver um plano mais amplo de industrialização e incremento
técnico na produção. Diante do embargo econômico imposto a Cuba, há uma
aproximação ainda maior com o bloco soviético: firma-se um acordo, a partir do
ano de 1963, que garante a Cuba preços estáveis do açúcar, acima dos do mercado
mundial, e que, posteriormente, levaria ao pagamento do açúcar cubano em maior
parte com mercadorias (80%) e apenas 20% com dinheiro.14
No dia 3 de outubro de 1963,
entra em vigor a Segunda Lei de Reforma Agrária, que acaba de uma vez por todas
com o latifúndio. Se antes eram nacionalizadas todas as terras que tivessem
mais de 30 caballerías, agora são estatizadas todas que possuam mais que 5
caballerías (67 hectares), levando a que o setor estatal representasse
agora 70% da agricultura cubana.15 Eis um pequeno trecho da Segunda
Lei de Reforma Agrária:
“(...)
DADO QUE: Existem fazendas maiores
de sessenta e sete hectares e dez áreas, (cinco caballerías) que proprietários
ou possuidores burgueses retêm em suas mãos em detrimento dos interesses do povo
trabalhador, quer entravando a produção de alimentos para a população,
especulando com os produtos ou utilizando com fins anti-sociais e
contra-revolucionários as elevadas receitas que obtém da exploração do trabalho.
DADO QUE: A existência dessa burguesia
rural é incompatível com os interesses e os fins da Revolução Socialista.
(...)
POR CONSEGUINTE: No uso das faculdades
que lhe confere a Lei Fundamental da República, o Conselho de Ministros resolve
ditar a seguinte.
(...)” 16
Os principais consumidores do
açúcar cubano, que possibilitarão essa política, serão a URSS e os outros
países socialistas, que também colaboraram com crédito, numa das cooperações
mais substanciais entre Cuba e os outros países socialistas, totalizando de 357
milhões de dólares fornecidos entre 1961 e 1962, que tinham como objetivo o
desenvolvimento industrial, a compra de máquinas, estaleiros, equipamentos, entre
outros fins.
Contradições e irracionalidades
da Cuba pré-revolucionária de Remy Herrera p. 7-8
Nesse período, já é possível notar
a grande diferença da época pré-revolucionária em Cuba, o país havia mudado
radicalmente, da água para o vinho. De 59 a 63, houve um crescimento anual do
produto material de 3,6%; 17 na área da saúde, priorizou-se a
medicina preventiva sobre a curativa, foram construídos 52 hospitais (de 1958 a
1963), aumentou-se a quantidade de leitos hospitalares de 21.780 leitos para
39.690, foram feitas extensas campanhas de vacinação; nesse mesmo período, foram
construídas 85.000 habitações; no campo da educação, as matrículas crescem 80%,
são construídas 6.280 escolas, as creches são duplicadas, o analfabetismo é
erradicado em 1961 com as famosas campanhas de alfabetização e mansões
abandonadas pela burguesia cubana são usadas como escolas, assim como os
antigos quartéis do exército cubano.18
Um trecho do ótimo texto Contradições
e Irracionalidades da Cuba pré-revolucionária demonstra mais aspectos
dessas mudanças:
“O coeficiente de Gini, calculado
em 0,55 em 1953-58, tinha já caído a 0,35 em 1962. Nessa data a fração dos 40%
mais pobres na população tinham quase triplicado a sua parte no rendimento
nacional em relação ao decênio anterior (6% em 1953, 17% em 1962), enquanto a
dos 10% mais ricos tinha sido reduzida de 40% (de 39% para 23%). Alguns meses
tinham bastado a Cuba para se tornar o país mais igualitário do hemisfério
ocidental, incluindo Estados Unidos e Canadá.” 19
1963 – 1975
A Segunda Lei de Reforma Agrária vai
ser de extrema importância para a mudança de estratégia econômica em Cuba, que vai
ser focada na produção de açúcar (não por acaso o ano de 1965 é considerado “o
ano da agricultura”) e em outras exportações (tabaco, níquel, entre outros). É pensando no incremento técnico da produção de
cana-de-açúcar (tornando necessárias importações de bens de produção agrícola)
que pretende-se acabar com o déficit comercial20 e em uma maior aproximação
com a URSS que se estabelecem metas que visam o crescimento paulatino da
produção de açúcar de 1963 até o ponto culminante de 1970, no qual a meta de
produção é de 10 milhões de toneladas de cana, o que representa um aumento
produtivo de 150% em relação a 1963.21
A cooperação com a URSS não se
restringia à exportação de açúcar. Em 1965, por exemplo, a URSS envia não só
jovens da Komsomol (juventude comunista soviética) para ajudar nas colheitas de
cana e intercambiar experiências com os jovens cubanos, como envia também
“alzadoras”, colheitadeiras de cana de açúcar, com as quais vêm técnicos
especializados no funcionamento dessas máquinas, tendo como objetivo
observá-las e aperfeiçoá-las.22
Hospital
General Vladimir Ilich Lenin
Outra cooperação com a URSS se
reflete no campo da saúde, como, por exemplo, na construção do hospital
policlínico V.I. Lenin, inaugurado no dia 7 de novembro de 1965, que se
encontra na Av. Lenin No. 2, no município de Holguín, capital da província de
mesmo nome.
O comércio cubano, nessa época,
também vai além da URSS: há interação significativa com a China, com quem Cuba,
em 1964, estreita seus laços, aceitando um convênio comercial para 1965/1970, que
forneceria a Cuba arroz, soja, azeite, carne em conserva, papel, tecidos,
máquinas, produtos químicos, em troca de açúcar cru, sínter de níquel,
concentrados de cobre, entre outros produtos.23
No entanto, quando finalmente
chegou-se ao ano de 1970, Cuba não havia alcançado a meta de 10 milhões de
toneladas. Ao invés disso, tinha-se alcançado “apenas” 8,5 milhões de
toneladas, um recorde que permanece até os dias de hoje.20

Isso se deve a muitos fatores
diferentes. O maior obstáculo foi a grande migração do campo para a cidade, do
“oriente” para o “ocidente”, da maioria das cidades e vilarejos onde a
atividade econômica predominante é a agricultura para a “cidade grande”, para
Havana, capital e portuária, onde concentrou-se o desenvolvimento (é
interessante observar que ainda hoje, em diferente escala, ocorre essa
migração). Tal migração causou a falta de mão-de-obra no campo: o trabalho no
campo era depreciado e considerado pesado sob o escaldante sol caribenho. As
medidas do governo cubano para compensar isso foram as campanhas que promoviam
o trabalho voluntário, nas quais é impossível esquecer a emblemática presença do
Che nas lavouras de cana-de-açúcar. Mas nem o Che nem todos os voluntários
juntos puderam suprir essa falta de mão-de-obra nesse setor.
Che, cortando cana-de-açúcar.
Além disso, uma série de desajustes
na planificação acarretou na diminuição da produtividade e otimização dos
recursos, assim como em indisciplina. Isso levou a que houvesse um excesso de
moeda circulante, o que, por sua vez, reduzia a efetividade dos incentivos
materiais e causava mais indisciplina. A redução da produção voltava a
acarretar em um excesso de moeda circulante. Esses desajustes na planificação,
entretanto, foram corrigidos posteriormente.24
De 1964 a 1968, houve uma
diminuição no preço do açúcar. Em 1963, o preço de uma libra (453 gramas) era
de 8,34 centavos de dólar; no ano seguinte, 5,77; em 1965, 2,08; em 1966, 1,81;
em 1967, 1,92 e, em 1968, 1,90; só começando a ascender novamente no ano
seguinte (com o preço de 3,2 centavos de dólar). Embora o preço pago pela URSS fosse
acima do mercado25 e fixado, a exportação soviética compunha cerca
de 40% a 50% da exportação total, ficando a outra parte vulnerável às
flutuações dos preços do mercado mundial, que acabaram prejudicando Cuba. As
secas nesse período, a mecanização insuficiente, assim como a coexistência de
distintos sistemas de planificação econômica, que causou duplicações nas
análises econômicas e desajustes,26 complicaram ainda mais a
situação. Embora essa confluência de fatores fizesse com que a safra de 1970
fosse fracassada de acordo com a meta proposta, diminuiu-se o déficit
comercial.
É preciso lembrar que todas essas
gigantescas mudanças no campo econômico ocorreram em meio a grandes
turbulências econômicas, políticas e inclusive militares. Cuba encontrava-se no
centro de uma possível 3ª guerra mundial, nuclear, na Crise dos Mísseis, além
de ter, um ano antes, seu território invadido,27 de modo que no
primeiro congresso do PCC (Partido Comunista de Cuba), em 1975, foi assinalada
a relação do governo com a economia, perante esses tempos difíceis, da seguinte
forma:
“É preciso assinalar que o trabalho econômico não
ocupou o centro da atenção durante os primeiros dez anos. Neste primeiro
período da Revolução, a sobrevivência diante da subversão imperialista, as
agressões militares e o implacável bloqueio econômico, ocuparam o esforço
principal da nação. Durante anos tivemos de manter mais de 300 mil homens em armas para defender o país.” 28
Cuba é invadida em 1961, pela
Baía dos Porcos no dia 17 de abril.
Com um paulatino crescimento
anual da taxa média do produto material de 5,3% (de 1963 a 1970, a preços
constantes) e um crescimento do Produto Social Global (PSG)18 nesse
período de 51,8%, em uma taxa média anual de 6,1%, continuam os avanços
sociais: de 1963 a 1970, constroem-se 44.000 casas e mais 76 hospitais.29
Dos anos 1970 até 1972, acontecem
várias reestruturações no sistema bancário, no sistema contábil; é instituído
um novo sistema de preços, de orçamento estatal; é feita a criação de novos
organismos estatais e também a elaboração de uma metodologia para a
planificação, assim como um novo sistema de direção e planificação da economia,
baseada no autofinanciamento e em alguns mecanismos de mercado, de modo a
integrar, em 1972, o COMECON (Conselho de Assistência Econômica Mútua). A economia de Cuba baseava-se basicamente na produção
de açúcar,30 esse era o seu principal pilar econômico, que seria sua
especialização na estabelecida divisão socialista internacional do trabalho que
vigorava na URSS, por meio do COMECON, na qual cada país era mais ou menos
especializado em um setor ou produto e era ligado a economia global do bloco,
de modo a fazer com que as relações econômicas entre os países socialistas
deixassem de ser apenas bilaterais e se tornassem-se multilaterais,
organizando-se e planificando-se como um só país.31 Também foram
feitos vários programas conjuntos de produção de níquel, máquinas, celulose e
papel, a partir do bagaço da cana, por meio do COMECON, que também facilitou a
Cuba a obtenção de insumos.
As safras de 1974 e de 1975 são,
respectivamente, de 5,9 e de 6,3 toneladas, rendendo muito por causa dos altos
preços do ano (ver no Cuadro 2,
exposto acima), que acabam por favorecer um grande crescimento de 1970 para
1975, cujo aumento do PSG foi de 52,5%, em uma taxa média de crescimento anual
da 8,8%.32 O setor da construção cresce 19% em 1974, contribuindo
para a infra-estrutura da ilha e os racionamentos instituídos em 1961 vão,
paulatinamente, deixando de existir (há maior disponibilidade de cigarros,
bebidas, entre outros produtos).
No primeiro congresso do PCC, em
1975, desenvolve-se o plano para o quinquênio de 1976-1980 e começa, também, o
processo de institucionalização do Estado socialista. De modo geral,
assentam-se as bases da infra-estrutura e da agropecuária, conjuntamente com
uma renda estável advinda da exportação de açúcar aos países do COMECON, para depois
levar a cabo uma industrialização mais intensa.
É interessante pensar que essa
maior ênfase e prioridade dada à indústria primária no período de 1963 até 1975
(no caso de Cuba: açúcar, níquel e as frutas cítricas), cuja produção seria
escoada em maior parte para o bloco socialista, demonstra um recurso com o qual
a própria URSS não contou, pelo contexto diferenciado, em relação à ilha
caribenha, de seu momento após a tomada do poder. Depois da Revolução de Outubro
e de uma sangrenta guerra civil, seguida de más colheitas,33 a
nascente república socialista tratou de industrializar-se, possibilitando as
bases materiais para sua população; teve que pagar custosos salários para a
mão-de-obra especializada estrangeira, admitir a pequena produção mercantil, o
pequeno comercio e o pequeno-burguês em vastas áreas atrasadas pela Rússia e
demais repúblicas socialistas, afinal, o nascente Estado ainda não possuía os
meios de suprir todas as necessidades materiais da sociedade e, apesar de ter os meios de produção estratégicos e
a indústria de base em suas mãos, não contava nem imaginava qualquer apoio de
fora.34 Diferentemente de Cuba, que não precisaria passar esse crucial período
de transição sozinha, mas contando com a presença e apoio da potência
industrial que era a URSS, que podia prover as bases materiais necessárias para
o país, acelerando, de certa forma, uma etapa no desenvolvimento das forças
produtivas cubanas; a URSS não poderia acelerar essa etapa de seu
desenvolvimento industrial, sem a necessidade, por exemplo, de haver uma
pequena burguesia.35 Lenin escrevia
em 1919:
“Na sociedade comunista o campesinato médio só
estará do nosso lado quando aliviarmos e melhoramos as condições econômicas de
sua vida. Se amanhã pudéssemos dar 100 000 tratores de primeira qualidade,
fornecer-lhes gasolina, fornecer-lhes condutores (sabeis bem por agora isto é
uma fantasia), o camponês médio diria: "Sou pela comuna." ” 36
O contexto específico da guerra
civil na Rússia não deixa de invalidar a seguinte questão: se existem, de fato,
os meios materiais para contar com e se aproximar dos camponeses, será mais
fácil e se estará mais próximo de ir na direção da propriedade socialista,
coletivizada. A NEP (Nova Política Econômica)
teve, também, um papel central na capitalização da indústria soviética, a
partir do capitalismo de Estado e de acordos e negócios com empresas
estrangeiras, mantendo sempre a base da indústria sobre as mãos do Estado
soviético. Fidel, ao ser perguntado em relação a
quais erros ele não repetiria, referentes à economia, respondeu:
“Acredito que em dado momento
fomos excessivamente ambiciosos e quisemos pular etapas. Quisemos pular etapas
da construção do socialismo, e aspirávamos, como disse Marx, referindo-se à
Comuna de Paris, conquistar o céu por assalto. Queríamos quase que construir imediatamente
uma sociedade comunista, quando faltava um desenvolvimento das forças
produtivas para a construção da sociedade comunista, faltava uma fase em que você
tinha que aplicar os princípios da distribuição socialista, já estabelecidos
por Marx. Ele propunha que no socialismo cada qual devia contribuir conforme sua
capacidade e receber conforme seu trabalho, isto é, conforme a quantidade e a
qualidade do trabalho. Nós passamos por cima um pouco essa etapa. Acredito que,
começando novamente, dispensaríamos esses erros.” 37
1.
Informe al primer congreso del Partido Comunista de Cuba, 1975, p. 10
Disponível
em:
2. José Luiz Gutierrez, “La economia
de Cuba socialista” (A economia da Cuba socialista) em Economia y Desarrollo
(Economia e Desenvolvimento) n° 61, 1981, p. 125
3.
Armando Nova González, “El Modelo Agrícola y Los
Lineamientos de La Política Económica y Social en Cuba” (O Modelo Agrícola e a
Linha da Política Econômica e Social em Cuba), Editorial de Ciencias Sociales,
Habana, 2013, p. 116
4. María de los
A. Arias Guevara, “Cuba: reforma y
transformación agraria. La crisis de los noventa y el proceso de
desestatalización de la agricultura” (Cuba: reforma e transformação agrária. A
crise dos noventa e o processo de desestatização da agricultura), Revista
IDeAS: Interfaces em desenvolvimento agricultura e sociedade, p. 11. Disponível em: dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/4059613.pdf, acessado em 25 de janeiro de
2015.
5. Ibid, p. 11
6.
Encuentro con Fidel, Oficina de Publicaciones del
Consejo de Estado, la Habana, 1987. Entrevista realizada por Gianni Miná, p.
173
7. Olga Ester
Torres R., “El desarrollo de la
economía cubana a partir de 1959” (O desenvolvimento da economia cubana a
partir de 1959), p. 286
8. Jesús M.
García Molina, “La economía cubana desde el siglo XVI al XX: del colonialismo
al socialismo con mercado”, CEPAL, p. 23
9. José Bell,
Delia Luisa López e Tania Caram, “Documentos de la revolución cubana, 1960”, Editorial
de Ciencias Sociales, La Habana, 2007, p. 39
10. Olga Ester
Torres R, op.cit.
“O convenio comercial assinado com a União
Soviética em janeiro de 1960 estipulou a compra de 425 000 toneladas de açúcar nesse
ano e um milhão de toneladas anuais durante os seguintes quatro anos, de acordo
com os preços do mercado mundial. Entretanto, em meados de um ano, diante do
cancelamento da cota de açúcar cubano no mercado estadunidense, a URSS
comprometeu-se a comprar de Cuba, pelo preço do mercado mundial, o mesmo volume
de açúcar que os Estados Unidos tinham deixado de adquirir. Pelo final de 1960,
assinou-se um novo acordo, pelo qual os países socialistas acordaram comprar 4 milhões
de toneladas, por pouco mais de 4 centavos de dólar a libra (preço superior ao
do mercado mundial). Em maio de 1963, diante do aumento de preços no livre mercado,
a União Soviética elevou seu pagamento a 6,11 centavos por libra, preço que foi
mantido até 1972. Nestes anos, a União Soviética pagou suas compras
principalmente com mercadorias e pouco menos de 20% com moedas de livre câmbio.”
11. José Luiz Gutierrez, op.
cit., p. 127
12. Oscar
Zannetti Lecuona, “Economía azucarera cubana. Estudios históricos.” (Economia
açucareira cubana. Estudos históricos.), Editorial de Ciencias Sociales, la Habana,
2009, p. 233
13. Jesús M.
García Molina, op. cit., p. 24
“Na troca
comercial de bens notou-se como o superávit de 28 milhões de pesos em 1960
transformou-se em um déficit de 322 milhões em 1963, por consequência de uma queda
das exportações (–10,4%) e de um aumento das importações (49,5%).”
14. O preço pago
pela URSS, do ano de 1963 até 1972, foi de 6,11 centavos por libra, enquanto,
no mesmo período, o preço do açúcar no mercado mundial era de 4 centavos por
libra, variando de 1,81 em 1966 a 7,2 em 1972. Após esse período, no geral, os
preços pagos pelos soviéticos continuaram acima dos preços do mercado mundial,
em valores muito acima da taxa de 6,11 centavos por libra.
15. Armando Nova
González, op. cit., p. 115
16. Ley de
Reforma Agraria, 3 de Octubre de 1963. Disponível em:
17. Produto
material é o valor bruto de toda a produção agropecuária, construção e indústria.
18. Olga Ester
Torres R., op. cit., p. 294
19. Remy Herrera, “Contradições e
irracionalidade da Cuba pré-revolucionária”, p. 4
20. A maior
parte do comércio seria feito com países socialistas. Em 1965, 20% do açúcar era
vendido para países capitalistas, 46% era vendido para a URSS (que comprava
sempre com preços acima do mercado) e 33% era vendido para outros países
socialistas (com destaque da China).
Olga Ester Torres R., op.cit.,
p.292
21. Ibid, p. 289
22. José Bell, Delia Luisa López e
Tania Caram, “Documentos de la revolución cubana, 1965”, Editorial de Ciencias
Sociales, La Habana, 2013, p. 224-245
“Deve levar-se em consideração que para a indústria soviética
se colocava por primeira vez esse problema, se colocava por primeira vez o
problema da construção de uma “alzadora”. E, entretanto, já com essas “alzadoras”
há operários que tem passado das 50000 arrobas em um dia.
O primeiro ano
não foram tão produtivas; nossos operários ainda não tinham aprendido a lidar
bem com elas. Mas, já neste ano, foram muito mais produtivas.”
23. Ibid, p.
217-219
24. Olga
Ester Torres R., op. cit., p. 293
25. Os únicos
anos nos quais a URSS pagou menos do que o preço de mercado foram 1963, 1972 e
1974.
26. Em Cuba, nos
anos 60, coexistiram duas formas de planificação econômica: o Cálculo Econômico
e o Sistema Orçamentário de Financiamento. O primeiro, utilizado em todo o
bloco soviético, reconhecia as empresas como autônomas, financiadas pelo
sistema bancário, que, por sua vez, era controlado pelo órgão planificador. O
Sistema Orçamentário de Financiamento, por sua vez, propunha que as empresas
fossem financiadas por um Orçamento Nacional, ao invés de serem financiadas
pelo sistema bancário, e admite, também, não cada fábrica separadamente, mas um
conglomerado delas, em relação ao setor produtivo semelhante, sendo seu
critério de desempenho a produtividade, diferentemente do Cálculo Econômico, no
qual o critério era a lucratividade. Durante esse período, a disputa entre
esses dois modos de planificação econômica foi amplamente debatida: por um
lado, Che Guevara defendia o Sistema Orçamentário de Financiamento e, por outro,
os economistas mais próximos ao sistema soviético defendiam o Calculo
Econômico. Na época, o Cálculo Econômico foi utilizado principalmente para o
comércio exterior, enquanto o Sistema Orçamentário de Financiamento foi
utilizado principalmente no setor industrial.
27. Esse
episódio, de invasão do território cubano, ocorrido de 17 a 19 de abril de 1961
leva o nome de “Invasão da Baía dos Porcos”; foi organizado pelos Estados
Unidos e executado por mercenários e traidores cubanos, que haviam fugido na
época da Revolução. Cuba conseguiu defender seu território e trocou 1113
prisioneiros capturados por remédios e comida.
28. Informe al primer
congreso del Partido Comunista de Cuba,
1975, p. 17
29. Produto
Social Global é um índice que mede o produto bruto em países de economia
planificada.
30. Olga Ester
Torres R., op. cit., p. 294
José Bell,
Delia Luisa López e Tania Caram, “Documentos de la revolución cubana, 1965”,
Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2013, p. 223
“O açúcar
constitui o traço dominante em nossa economia, o que nos concede a maior parte
dos recursos exportáveis que utilizamos no comércio internacional."
31. Giuseppe
Schiavone, “El Consejo de Ayuda Mutua Económica y la integración socialista”. Disponível em:
32. José Luiz Gutierrez, op.
cit., p.139
33. O texto “Sobre o Imposto em Espécie (O Significado da
Nova Política e as Suas Condições)”, de Lenin, escrito em 21 de abril de
1921, ilustra bem a situação:
“Os camponeses “pobres” (proletários e
semiproletários) transformaram-se, num grande número de casos, em camponeses
médios. Em consequência disso o “elemento” pequeno-burguês,
pequeno-proprietário, reforçou-se. E a guerra civil de 1918-1920 aumentou
extraordinariamente a ruína do país, retardou a restauração das suas forças
produtivas, dessangrando sobretudo, precisamente, o proletariado. A isso há que
acrescentar a má colheita de 1920, a falta de forragens, as epizootias, o que
retardou mais ainda a restauração dos transportes e da indústria, o que se
repercutiu, por exemplo, no transporte da lenha, nosso principal combustível,
efetuado com os cavalos dos camponeses.
Como resultado, a situação
política na Primavera de 1921 era tal que se tornaram urgentemente necessárias
medidas imediatas, decididas e extraordinárias para melhorar a situação do
campesinato e elevar as suas forças produtivas.”
34. Ibid. O trecho destacado foi realçado por nós.
“O desenvolvimento da pequena
economia é um desenvolvimento pequeno-burguês, é um desenvolvimento
capitalista, uma vez que existe a troca; esta é uma verdade indiscutível, uma
verdade elementar da economia política, confirmada, além disso, pela
experiência cotidiana e pela observação corrente.
Que política pode o proletariado socialista realizar perante a
existência de tal realidade econômica? Dar ao pequeno camponês todos os
produtos da produção das grandes fábricas socialistas de que ele necessita em troca
dos cereais e das matérias-primas? Esta seria a política mais desejável, a mais
“justa”, e já a iniciamos. Mas não podemos dar-lhes todos os produtos, ainda
estamos longe disso e não poderemos fazê-lo tão cedo, pelo menos não poderemos
fazê-lo enquanto não tivermos terminado os trabalhos da primeira fase da eletrificação
de todo o país. Como atuar então? Ou tentar proibir, bloquear por completo todo
o desenvolvimento da troca privada, não estatal, isto é, do comércio, isto é,
do capitalismo, inevitável com a existência de milhões de pequenos produtores. Esta
política seria absurda e suicida para o partido que a experimentasse. Absurda,
porque esta política é economicamente impossível; suicida, porque os partidos
que experimentassem semelhante política sofreriam inevitavelmente um fracasso.
Mas é preciso reconhecer que alguns comunistas pecaram por “pensamentos,
palavras e obras”, caindo precisamente nesta política. Procuraremos corrigir
esses erros. É absolutamente necessário corrigi-los, pois doutro modo
correremos um grande risco.”
35. Em 1968 o
“cuentaproprismo” (microempresa e trabalho autônomo) é ilegalizado em Cuba,
sendo, também, uma medida política estratégica.
36. V.I. Lénine,
“Lenin, obras escolhidas em três tomos”, 3º tomo, Editora Alfa-Omega, São
Paulo, 2004, “VIII Congresso do
PCR (b)”, (18-23 de março de 1919), p. 89
37. Encuentro
con Fidel, Oficina de Publicaciones del Consejo de Estado, la Habana, 1987.
Entrevista realizada por Gianni Miná, p. 178-179
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