quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

O processo de transformações econômicas em Cuba e o FMI

No último 29 de outubro em um informe da agência NOTIMEX estava o seguinte: "O Fundo Monetário Internacional (FMI) disse hoje que não existem conversas com as autoridades de Cuba sobre o eventual reingresso da nação caribenha ao órgão multilateral que abandonou meio século atrás."

"Que eu sabia não há discussões com Cuba sobre sua integração", disse o porta-voz da instituição, Jerry Rice, ao ser questionado sobre o tema, evitando, sem dúvida, expressar mais sobre uma possibilidade a qual o funda já se declarou aberto.

David Lipton, sub-diretor geral do Fundo, declarou no mês passado que a instituição está "aberta" ao retorno de Cuba, ainda que tenha deixado claro que Havana não tem dado indícios de interesse em ingressar na organização.

Lembrou que ainda que nos anos recentes o FMI tenha agregado a um grande número de países, "Cuba não demonstrou interesse em solicitá-lo".

Já em 2011, o acadêmico Richard Feinberg, de Brookings Institution, fez uma análise sobre a factibilidade do reingresso de Cuba às instituições financeiras internacionais fazendo analogias nesse com as experiências da Nicarágua e Vietnam. (1)

A ideia de que cuba pode mostrar interesse em reingressar ao FMI - de onde se retirou em 1964 - é alimentada também de forma crescente como parte do processo de normalização das relações com os Estados Unidos, que se iniciou no último 17 de dezembro [Nota da tradução: dezembro de 2014]. Desse modo, um estudo do Atlantic Coucil publicado em julho desse ano se referiu novamente ao tema, ponderando sobre os supostos benefícios que haveria para Cuba no reingresso às instituições financeiras internacionais, tema ao qual voltarei mais adiante. (2)

Frente a essas propostas, como se poderia compreender o reingresso às instituições financeiras internacionais no processo de transformações socialistas da economia cubana?

Oficialmente o FMI é definido assim: "O FMI é uma organização integrada por 184 países, que trabalha para promover a cooperação monetária mundial, assegurar a estabilidade financeira, facilitar o comércio internacional, promover um alto nível de emprego e crescimento econômico sustentável e reduzir a pobreza" (3)

Se os fatos respaldassem realmente o papel desempenhado pelo FMI ao longo de sua história, não seria tão questionada a definição que tem de si mesma essa organização, criada segundo os acordos de Bretton Woods em 1944, a partir do qual se redesenhou o sistema monetário-financeiro internacional para garantir a hegemonia dos Estados Unidos.

Basta examinar os critérios de condicionalidade que impõe o Fundo para fornecer recursos financeiros a um país, para compreender como os mesmos visam controlar a economia dos seus devedores, não somente para assegurar que devolvam os empréstimos, mas, acima de tudo, para que as políticas econômicas e sociais que se aplicam nesses países sejam funcionais para o desenvolvimento do capitalismo a uma escala planetária, através dos conhecidos "programas de ajuste" que são aplicados rigorosamente.

É verdade que esses programas não foram aplicados da mesma maneira em todas as partes. Entretanto, a experiência dos países da Europa Oriental que ingressaram ao FMI em sua etapa socialista, como foi o caso da Yugoslavia, Hungria e Romênia mostrou, desde então, as nefastas consequências dessa decisão. Particularmente no caso da Romênia, o país foi compelido a renegociar sua dívida externa em condições que levaram a pagar 22 bilhões de dólares em somente 7 anos, as custas da redução de gastos sociais, ao encarecimento acelerado do custo de vida e de enormes sacrifícios de sua população.

Posteriormente, a derrubada do socialismo na Europa abriu uma etapa de transição ao capitalismo neoliberal, na qual a assessoria do FMI foi uma constante e onde as consequências de semelhante processo ainda hoje não foram superados em muitos casos.

Tanto é que, ao contrário do que proclama em seus objetivos o FMI, a aplicação de programas de ajuste e saneamento financeiro desses países conduziu à paradoxa situação de que a dívida externa - que em 1989 era estimada em 101, 838 bilhões de dólares - passou a ser de 1 trilhão e 211 bilhões de dólares na metade de 2014, um incremento de quase 12 vezes em 25 anos, tudo isso em meio altos custos sociais e dolorosos sacrifícios de sua população.

Quais são as vantagens?

Desde já, a hipótese de um reingresso de Cuba no FMI e também no Banco Mundial parte do levantamento do bloqueio norte-americano ao nosso país, já que nas atuais condições, sem essa premissa, seria impossível que Cuba passasse a formar parte das principais instituições financeiras internacionais que regem o mundo capitalista atualmente, porque as próprias leis dos Estados Unidos o proibiria.

Deixando de lado esse assunto, caberia perguntar: quais são as vantagens que obteria Cuba com semelhante decisão? Para compreender o que se argumenta por diversos autores nesse sentido, é necessário compreender como se concebe o processo de normalização de relações com os Estados Unidos e a chamada reinserção de Cuba na economia internacional.

Sobre isso, não se deve perder de vista que a posição norteamericana é reflexo de uma mudança de método - o bloqueio tem fracassado em obter seus objetivos - razão pela qual deve se proceder de outra forma nas relações com Cuba para conseguir o mesmo objetivo, que não é outro que a mudança de regime em Cuba, isto é, uma transição ao capitalismo.

O comunicado emitido pela Casa Branca em 17 de dezembro de 2014 não deixa dúvidas sobre isso quando diz: "Está claro que as décadas de isolamento de Cuba por parte dos Estados Unidos não conseguiu nosso objetivo perdurável de promover o surgimento de uma Cuba estável, próspera e democrática". (4)

Por outro lado, tanto Richard Feinberg como Pável Vidal e Scott Brown consideram explícita ou implicitamente que o sistema socialista cubano fracassou e que as transformações que ocorrem nesses momentos, como parte da atualização do modelo econômico socialista cubano, não são mais que um passo favorável mas incompleto para conseguir uma economia eficiente, o que só seria possível completando a transição até uma economia de mercado que superasse as limitações da planificação.

Desse modo, Richard Feinberg assinala muito claramente:

"A principal restrição que atrasa a economia cubana não são as sanções impostas pelos Estados Unidos (ainda que sejam realmente duras). Na realidade, é o próprio modelo desatualizado de planificação centralizada que Cuba herdou da União Soviética. Os numerosos sócios comerciais de Cuba quiseram intervir mais no país e preferira importar mais da Ilha para corrigir os desequilibrios em sua balança comercial bilateral, mas se frustram frente a escassez de ofertas econômicas de Cuba"(5)

Da mesma maneira se expressa o ensaio elaborado em julho de 2015 pelo Atlantic Council, com enfoque similar a Feingerg, mas utilizando como base de comparação os casos da Albânia e Vietnam em seus processos de entrada nas instituições financeiras internacionais, de forma que defende a necessidade de uma transição a uma economia "baseada em mercados livres" de uma forma mais sutil:

"A substituição de uma economia centralmente planificada por uma economia baseada nos mercados livres em geral necessita de um longo período de formação, educação e reestruturação das instituições públicas. O FMI e outras fontes externas (o que inclui ao governo dos Estados Unidos) podem desempenhar um papel importante na facilitação do processo de aprendizagem" (6)

Curiosamente, em nenhum dos casos é feita referência às condições que impõem as instituições financeiras internacionais para outorgar o financiamento, o que deixa a impressão de que com o ingresso às mesmas só haveria vantagens para economia cubana, por receber um aval muito importante para sua reintegração favorável na economia internacional.

Apesar disso, a experiência histórica recente da transição ao capitalismo dos antigos países socialistas europeus mostra o enorme custo social dos programas de ajuste de corte neoliberal impostos aos que aceitaram as receitas do FMI, o que incluia a privatização massiva da propriedade pública; a redução dos gastos do orçamento estatal, especialmente os de ordem social, com interesses de ajuste fiscal; o controle da inflação, reduzindo os salários mínimos; e a liberalização dos preços e o controle de câmbios, entre as medidas de maior transcendência.

É notável a situação da Rússia, que durante os anos do governo neoliberal de Boris Yeltsin (1992-1999) sofreu a redução da população de 8 milhões de habitantes; reduziu a esperança de vida de 65,5 a 57,3 anos; diminuiu o salário real em 68,3% e às pensões mínimas em 67%; elevou a desigualdade média, medida através do coeficiente GINI de um valor de 0,27 a 0,48; triplicou a taxa de homicídios e levou 50,3% da população russa ao nível de pobreza no final da década de 90. (7)

A atualização do modelo econômico socialista em Cuba tem exposto o reconhecimento objetivo ao mercado e a propriedade não estatal como elementos que -sob controle estatal - podem propiciar uma economia mais eficiente, acompanhando as transformações essenciais da propriedade pública em um processo de transição a um socialismo próspero e sustentável.

É um processo difícil, complexo e inclusive doloroso, porque impõe custos com objetivo de garantir um futuro melhor, e está sujeita - como toda obra humana - a que se cometam erros. Mas uma transição ao capitalismo em Cuba suporia não só reimplantar a exploração do homem pelo homem como base da reprodução do sistema,  mas também estaria sujeita à represália da maior potência capitalista do mundo, que não perdoará jamais a lição de resistência e valor que tem protagonizado nossa pátria desde 1959 e que está na base real e objetiva das mudanças que começaram a se produzir em 17 dezembro de 2014. É uma lição que não temos direito de esquecer.

Notas

[1] Ver de Richard Feinberg,“Extender la mano: la nueva economía de Cuba y la respuesta internacional”. Brookings Institution, November 2011 en www.brookings.edu.

[2] Ver de Pavel Vidal y Scott Brown, “La reintegración económica de Cuba. Comenzar con las instituciones financieras internacionales”. The Atlantic Council, July 2015 en www.cc-ic.it

[3] Ver “¿Qué es el Fondo Monetario Internacional?” Washington, 2004 en www.imf.org

[4] Ver Comunicado de la Casa Blanca sobre el Descongelamiento de las Relaciones entre Estados Unidos y Cuba el 17 de diciembre de 2014 enhttp://cnnespanol.cnn.com/2014/12/17/

[5] Ver de Richard Feinberg “Extender la mano: la nueva economía de Cuba y la respuesta internacional” Brookings Institution, November 2011 en www.brookings.edu. pagina 4.

[6] Ver Ver de Pavel Vidal y Scott Brown “La reintegración económica de Cuba. Comenzar con las instituciones financieras internacionales” The Atlantic Council, July 2015 en www.cc-ic.it página 15

[7] Ver de José Luis Rodríguez “El derrumbe del socialismo en Europa”, Ruth Casa Editorial y Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2014, capítulo III.

De José Luis Rodríguez
Traduzido por Fuzil contra Fuzil

Nenhum comentário:

Postar um comentário